segunda-feira, 26 de maio de 2008

Réplicas

Faz hoje duas semanas desde que foi sentido o primeiro terramoto em Sichuan, e é-me impossível precisar quantas réplicas senti desde esse momento. cinquenta, cem, duzentas? Em casa, no sétimo andar, se estiver sentado ou deitado chego a senti-las a cada dez minutos; em restaurantes, cafés ou na universidade, em andares mais baixos ou rés-do-chão, só se sentem algumas, dependendo da sua intensidade. Curiosamente, se estiver na rua, em movimento, nem as mais fortes se sentem.

A réplica mais forte foi sentida precisamente ontem, Domingo, e terá atingido entre 5.8 e 6.4 na escala de Ritcher. No momento estava a jogar futebol (o primeiro jogo depois da tragédia, sinal de que, apesar de tudo, as coisas começam a voltar ao normal na capital de Sichuan) e ninguém, nem jogadores nem público, se apercebeu do ocorrido. Só quando regressei ao apartamento fui informado pelo meu companheiro de casa, que me disse que foi a primeira vez que uma réplica o fez reviver as sensações do primeiro terramoto.


Eu já deixei de acordar de noite com as réplicas e aquelas que sinto durante o dia já não passam de um embalo, quer esteja a estudar ou a ver um filme. O cérebro foi-se habituando e a sensação de medo a pouco e pouco deixou completamente de existir. Mas eu sempre fui um céptico, e ainda para mais um céptico que não vê televisão. Lá fora, os espaços verdes, sejam parques municipais ou campos de futebol, continuam a assemelhar-se a autênticos parques de campismo, alimentados pelo medo que ainda vive e pelos rumores que se vão dessiminando.

domingo, 25 de maio de 2008

Na primeira pessoa

Nesse dia, depois das aulas, tinha vindo para casa estudar com dois colegas. No preciso momento em que se deu o primeiro abalo, por volta das duas e meia, estava deitado no sofá a descansar, e, quando o senti a baloiçar, a primeira coisa que imaginei foi o coreano a abanar-me para que regressasse aos livros de chinês. No momento em que abri os olhos e vi as caras de pânico dos meus amigos, percebi que era algo um pouco mais grave que isso.

Corri imediatamente para a ombreira da porta, como me ensinaram a fazer, há muito tempo atrás, nas aulas de ciências. Nos minutos que se seguiram (e é impossível precisar se foram 1, 2 ou 10), enquanto sentíamos o balanço compassado do apartamento do sétimo andar, fomos trocando opiniões sobre como lidar com o que se estava a passar, cada um de nós tentando esconder o melhor possível o medo que sentia. Lembro-me de ter dito algo do género: “ Se não passar disto acho que não vai haver problemas”. E não houve.

Para mim foi apenas um susto. Infelizmente, para um número ainda indeterminado de pessoas foi muito mais que isso. As zonas mais afectadas ficam relativamente próximas do epicentro e em Chendgu, a cerca de 100km, apesar da violência com que foi sentido o tremor, os danos foram reduzidos. Em minha casa, para além de um candeeiro de tecto que caiu e de alguns objectos que foram arremessados ao solo, não houve danos mais sérios.

Os vizinhos espanhóis vieram tocar à porta pouco tempo depois e corremos para baixo todos juntos. Quando lá chegámos, já o chão se tinha parado de mexer, e juntámo-nos a uma multidão em pânico que nunca mais regressou a casa.

Quase duas semanas depois, milhares de pessoas continuam a dormir na rua com medo das réplicas do terramoto. Apesar de poucos edifícios terem sido danificados no centro da cidade, a violência de alguns dos sismos que se têm sucedido deixam as pessoas com medo de que as estruturas, agora mais fragilizadas, das suas casas possam não resistir a mais um abalo.