quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Pensamentos soltos sobre liberdades e telenovelas

Ontem, depois de um jantar pesado que viria a ter consequências trágicas por volta da meia-noite, distraía-me com uma novela chinesa que passava na tv, admirando-me com a quantidade de coisas que conseguia entender. Entretanto, fui-me apercebendo que a pobreza dos diálogos explicava grande parte deste sucesso, sendo que a outra parte era explicada por uma das particularidades da televisão chinesa: todos os programas, menos aqueles que são mostrados em directo ou com pouco tempo de deferimento, são transmitidos com legendas. Isto faz sentido, num país com centenas de dialectos regionais, onde a única coisa que não se altera é a escrita. Muitos dos dialectos são aparentados, mas outros, como o cantonês, são de uma família completamente diferente (primo do Vietnamita, neste caso). Ou seja, alguém de Cantão que não fale mandarim, pode comunicar facilmente por messenger com alguém de Beijing, até ao momento em que decidam ligar a webcam e falar pelo microfone, momento a partir do qual deixarão de se entender. O mesmo pode acontecer com um japonês, por exemplo, cuja escrita, apesar de não derivar totalmente do chinês, retira daí a maior parte dos seus caracteres.

Dizia eu que, o facto de poder, sempre que não entendo as falas dos personagens, ler o que estão a dizer, facilita bastante no entendimento global da trama. Tem ainda a vantagem adicional de me permitir usar o dicionário sempre que não entenda alguma palavra.

Entusiasmado pelo elevado grau de compreensão da novela, e mesmo apesar de não ter ficado completamente esclarecido sobre quem eram os bons e os maus, resolvi continuar sintonizado depois desta acabar. Seguiu-se o noticiário, onde o destaque era a visita do Primeiro-Ministro, Wen Jia Bao, à província de Zhejiang. Foram cerca de 5 minutos em que se mostrava o que tinha feito em cada dia (cada dia correspondia a uma cidade) e se mostravam excertos de diálogos que tinha tido com representantes dos governos regionais ou de presidentes de empresas. Os diálogos eram a parte mais interessante de toda a notícia. Transmitidos com legendas, para meu deleite, eram, bem ao estilo chinês, mais ou menos assim: WJB dizia qualquer coisa como "para ter sucesso neste mundo competitivo é fundamental trabalhar arduamente e ter autoconfiança", ao que o industrial respondia: "as palavras do nosso PM são inspiradoras e reveladoras de uma visão profunda".

Foi nesta altura que iniciei um dos meus passatempos preferidos - um diálogo mental com um hipotético chinês (chamado Li Po Po), em que lhe explicava que uma notícia assim, tão propagandistica, seria impossível numa democracia ocidental. Mas depois, pensei para mim mesmo, se seria, de facto, assim tãi improvável? A verdade é que propaganda governamental existe em todos os países (e temos bons exemplos no nosso), e na China, a grande diferença é que é feita de forma aberta. Entretanto, este simples diálogo mental abriu caminho para outro tipo de raciocínios:

(Nota prévia: eu sou daqueles que, na China e com a gente que vive na China, falo mal da China. Com os outros falo bem. Mais ou menos como costumamos fazer com o nosso próprio país, portanto.)

Fala-se muito no Ocidente sobre a China. Mas fala-se quase sempre mal. A verdade é que muito poucos fazem alguma ideia do que é a China, mas toda a gente gosta de mandar o seu bitaite. Eu, com um ano e meio de China no lombo, tendo morado em duas províncias completamente diferentes, tendo viajado muito e tendo conhecido muitas pessoas, gosto de pensar que já entendo um pouco este país e esta cultura. Mas mesmo assim, a maior parte das vezes reconheço que não sei quase nada.

Fala-se da China e a primeira coisa que nos vem à cabeça são violações de direitos humanos, repressão, trabalho escravo, colonização do Tibete e alimentos envenedados. Alguns dos argumentos que se utilizam são válidos enquanto que outros são totalmente descabidos. Mas aquilo que, quanto a mim é mais irónico, é observar a autoridade moral a que o Ocidente se advoga, quando decide criticar a China. Estamos a falar de uns EUA que são o maior colonizador da História Moderna, que se permitem invadir países que a maioria dos seus cidadãos não têm a mínima ideia de onde estão sob pretextos absurdos e que, reconhecidamente, não passam disso mesmo: pretextos; EUA estes onde as pessoas saem para a rua para criticar a repressão no Tibete, uma região adjacente ao vasto território chinês e cuja história sempre esteve inter-relacionada com a do Império do Meio. Critica-se, de boca cheia, o facto de dissidentes chineses serem condenados a penas de prisão quando se tem dentro de casa, uma prisão ilegal onde cidadãos do mundo são mantidos anos a fio sem sequer serem acusados de algo e sem qualquer tipo de direitos.

Não quero com isto defender a actuação do Governo Chinês, mas apenas, como disse, questionar a suposta autoridade moral do Ocidente, colonizador e esclavagista, que abandonou as suas últimas colónias em África há 30 anos.

(Um pequeno parentesis, literal, para lembrar que existia esclavatura no Tibete no tempo do Dalai Lama. Mas disto os Media ocidentais preferem não falar)

A verdade, é que, e é importante frisar isto, quem vive na China tem praticamente as mesmas liberdades e direitos que o seu congénere europeu. Num sentido restrito isto é verdade (vá lá, vamos esquecer o pequeno pormenor de não poderem eleger os seus líderes). Os jovens chineses fazem as exactamente as mesmas coisas que os seus congéneres ocidentais: estudam na universidade, saem à noite, comem macdonald's e bebem café no starbucks, têm sexo com alguém que conheceram na mesma noite, bebem álcool, consomem drogas, jogam à bola, trabalham para ter uma vida melhor que os pais, escrevem blogs, têm sites de partilha de informação pessoal do estilo hi5 ou facebook. Tudo aquilo que nós fazemos eles também fazem. Ou pelo menos têm liberdade para o fazer.

Ok, podem-me dizer que a liberdade é mais que isto. E eu sou o primeiro a reconhecer que isso é verdade. Não há liberdade de imprensa - os jornais e estações televisivas são todos controlados pelo partido e as notícias, mesmo quando parecem negativas, são sempre dadas desde um ponto de vista positivo. Os chineses riem-se quando lhes digo que o Dalai Lama ganhou o Prémio Nobel da Paz - "um terrorista ganhou o Prémio Nobel da Paz?"; ninguém sabe que um chinêsm ainda que naturalizado francês, ganhou o Nobel da Literatura. Os livros de História são manuais de propaganda? Nunca li nenhum mas imagino que sim. "Mao estava 2/3 certo e 1/3 errado", e desta forma, bem chinesa, diga-se, se arruma a questão. "Os japoneses são montruosos - Invadiram o nosso território, queimaram as nossas casas e violaram as nossas mulheres. Foi há 50 anos? Não interessa. Os japoneses são maus por natureza, perversos, perturbados e maníacos sexuais". E assim se arruma a questão. Assim por alto, diria que 95% dos chineses (e acreditem que já falei com muitos sobre isto) odeia os japoneses. Ou se não odeia, pelo menos não gosta. Ou se não gosta, pelo menos não simpatiza. Quem ganha com isto? O sentimento nacionalista obviamente, e, em última análise, o Partido Comunista. É uma táctica válida? É exactamente o mesmo que se faz no Ocidente quando se decide diabolizar este ou aquele regime ao sabor do que é conveniente em cada momento. Aqueles que eram amigos e bons exemplos em determinada região podem passar rapidamente a tiranos quando o vento muda de direcção. Tudo isto é aceitável? Não. Mas quem somos nós para dar lições de moral à civilização mais antiga do Mundo?

sábado, 13 de dezembro de 2008

Há um ano atrás...


... Estava eu a chegar ao Laos.
E acho que o regresso está para breve

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Vinte e Seis

Afinal não custou assim tanto