sexta-feira, 13 de julho de 2007

O Centro do Mundo

Representação chinesa do mapa-mundo

O Etnocentrismo consiste, grosso modo, em considerar uma cultura, normalmente aquela de que fazemos parte, superior a outra. Em países como a China, onde a população tem hábitos que dificilmente poderiam ser mais distintos dos nossos, é fácil ceder à tentação de considerar que a nossa cultura é melhor que a deles e o que não falta são motivos para o justificar. O que falta muitas vezes é um pouco de ponderação para questionar quais as razões que justificam essas diferenças. E normalmente elas sobram.

Eles cospem para o chão, não respeitam filas nem prioridades, empurram-se uns aos outros nos transportes públicos... a lista é interminável e é em argumentos como estes que os ocidentais se sustentam quando consideram a sua cultura superior.

Eu não gosto que me empurrem no metro (quando vou a Xangai, leia-se), faz-me impressão, mais que o acto de cuspir em si, o ruído que o precede, e (e esta é uma das pequenas coisas que mais me incomoda) não suporto a forma como eles sorvem ruidosamente o chá. Os modos à mesa, por outro lado, que já causaram momentos de indisposição a algumas visitas recentes, já deixaram de me incomodar.

Tenho as minhas razões para acreditar que as comparações entre culturas (principalmente quando envolvem os termos “superioridade” e “inferioridade”) são normalmente nefastas e pouco construtivas. Principalmente quando falamos de um país como a China onde, há muito pouco tempo, foi cometido um dos maiores atentados contra a Cultura jamais testemunhados e que, ironicamente, ficou conhecido como Revolução Cultural. Afinal o Mundo é um moinho, e o que hoje é dado como adquirido amanhã pode já não ser verdade. Tudo bem, ninguém pode negar (e nenhum chinês com o mínimo de bom-senso o nega) que as filas são um método muito mais eficiente que o “tudo ao molho e fé em Deus”, mas se é verdade que há coisas que eles podem aprender connosco (e já o estão a fazer), não é menos verdade que o oposto também é possível.

No fundo, aquilo que pretendo dizer é que todos nós temos os nossos telhados de vidro, e que cuspir para o chão é um crime muito pequeno quando comparado com colonizar e escravizar metade do mundo.

Polémicas à parte, aquilo que para mim tem sido mais interessante nesta experiência é, sem dúvida, a forma como me permite questionar tudo aquilo que eu dava como adquirido em função da minha “matriz ocidental”. Nós habituamo-nos a olhar para nós mesmos como o centro do Mundo. Estudamos a História Europeia e chamamos-lhe História Mundial e os nossos role-models pertencem cada vez mais à elite cultural dos ex-colonizados norte-americanos.

Esta experiência na China tem-me permitido mergulhar numa cultura que se vê a ela própria, em função da dimensão do país e das história milenar, como o Centro do Mundo. Com a vantagem de nos conhecerem muito melhor a nós do que nós a eles. Os ídolos mundiais ocidentais do desporto e da música, por exemplo, até podem ser famosos aqui. Mas não substituem os ícones pop chineses e coreanos.

Aqui é estranho comer de faca e garfo, é considerado de gosto muito duvidoso usar as mãos para comer (e nós, ocidentais, usamo-las muitas vezes) ou assoar o nariz a um lenço.
A nossa comida é estranha. Da mesma forma que as pessoas que me visitam gostam de comer nos restaurantes locais “pela experiência” mas refugiam-se na comida ocidental o mais depressa que podem, também os chineses que visitam a Europa recorrem quase em exclusivo aos inúmeros restaurantes do seu país de origem que podem encontrar.

[A título de curiosidade, este fim-de-semana, no aeroporto de Xangai, vi uma família chinesa, com problemas de excesso de bagagem, a transportar quantidades de noodles instantâneos e carnes secas suficientes para alimentar um pequeno exército durante 2 semanas.]

É tentador olhar para os chineses com olhos de ocidental e perguntar-lhes porque é que eles ainda usam pauzinhos para comer. Mas, muito mais interessante, e também mais difícil, é olhar para nós próprios com olhos de chinês e perguntar porque é que nós usamos faca e garfo. (metáfora inspirada em factos reais)

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